Resenha: Byung-chul Han, Die Errettung des Schönen, S. Fischer Verlag, Frankfurt, 2015

Paul Vidal
6 min readApr 28, 2018

Professor sul-coreano, docente na Universität der Künste Berlin, Byung-chul Han prossegue em sua cruzada pela negatividade: após denunciar o imperativo da transparência na sociedade do cansaço e a proliferação das subjetividades narcisistas pelas tecnologias digitais, redige uma crítica hegeliana à substituição do belo pelo polido — hegeliana, sim, ainda que a argumentação se produza por uma série de capítulos curtos, numa estrutura mais voltada à insistência que ao desenvolvimento sistemático (alternativamente essa descontinuidade, característica das obras curtas de Han, pode ser interpretada como o oferecimento de um livro anguloso que se recusa a encarnar também outra superfície para deslizarmos), enquanto sintoma da sociedade neoliberal.

A crítica se inicia com a constatação da pervasividade do Glatte, ou polido: uma política de superfícies excessivamente positivas, flexíveis e uniformes, egomórficas e higienistas, que dita globalmente e cada momento do design, mais escandalosamente representada na figura do iPhone (e na “comunicação” veiculada através do aparelho, nos limites e demandas impostos à produção distribuída via social media), na depilação “brasileira” (sobretudo nos corpos dos atores de filmes pornográficos) e na produção plástica de Jeff Koons (que é contraposta à negatividade da obra de Warhol, fruto de seu relacionamento com o tema “morte”). O convite à lambida proposto pela obra Balloon Dog é homólogo à prisão do feed sob a touchscreen, lugar de desmistificação e consumo totais — para Hegel tanto o tato, que não se assombra, quanto o paladar, sujeito à redução do prazer a um binarismo exclusivista, excluem o deleite estético — e a experiência perante o objeto se limita a um autoerotismo solipsista. Com Koons, que significa para Han, enquanto apóstolo do banal, a sacralização do polido, do impecável, a arte expurga violentamente a negatividade do distinto e do estranho, em defesa do consumo imediato da segurança da auto-identidade e da afirmação do indivíduo contra sua sobredeterminação social. Se seguirmos Gadamer, a paralisação da experiência no momento irrefletido do “I like it” torna o belo propriamente impossível: é pela defesa do belo, do erotismo sujo de Bataille, do saber, e pela irredutibilidade do punctum, contra o selfie, a pornografia (avatar da transparência) e os data (que apontam para a informação qua forma pornográfica do saber), que nos levará Han à análise das opiniões de diversos filósofos sobre a natureza do estético, e será Hegel quem definitivamente determinará o tom e o sentido dessa crítica.

É Glatte também, continua o autor, os takes com rostos em primeiro plano, característicos do cinema contemporâneo — informado por Walter Benjamin, para quem o primeiro plano constitui práxis linguística e hermenêutica, sujeita a uma leitura sintomática, uma vez que configura espaço que torna legível o inconsciente — já que estes constituem selfies, sem expressividade, mera resistência à fraqueza do eu, reflexo do imaginário paranoico que o espectador consome, gerado por um narcisismo negativo de um ego que reprime sua vacuidade — sua constituição (persistentemente) extímica, digamos. No cinema¹, assim como nas imagens digitais reproduzidas em mídias sociais, a emergência simultânea do studium e do punctum — que podem ser entendidos simplificadamente como contato entre os aspectos simbólicos (linguísticos) e imaginários (“temas”) que estrutura a fotografia em sua bidimensionalidade, e a emergência do Real, do foco escópico extra-subjetivo, na imagem, respectivamente, analisada por Barthes, se faz impossível: resta-nos a mera submissão ao affectum, esse exemplo ideal da experiência positiva em excesso, mais rápido que os sentimentos e discursos, excitações dirigidas à satisfação imediata (e, se acrescentarmos a constatação freudiana do mecanismo alucinatório de busca de prazer, à reprodução de um modelo específico de satisfação). O exorcismo da ferida produzida pela opacidade do punctum tem seu paralelo na prática dos amores modelados em inversões de capital, na morte da poesia e do pensamento, e na generalização do inferno dos iguais, dum inferno oposto ao sartreano: aquele do já-eu mesmo, refletido infinitamente em todas as superfícies que encontro. O affectum é o espírito do que não tem nem profundidade nem tempo, é portanto o que está no sentido da produção pornográfica, que, com sua entrega imediata/do imediato, rejeita o belo qua opacidade, e se oferece como modelo tanto para a análise correlacional das informações estatísticas, limite da economia e sociologia positivistas, quanto para o teatro contemporâneo denunciado por Strauß. A mesma economia do tempo serve para que se distinga o belo natural e o belo digital: enquanto o belo natural (sigamos Adorno) oferece, via a nostalgia de um outro estado possível², de uma forma de vida sem violência, não um auto-reconhecimento complacente, mas o confronto com a finitude, o ainda-não; o digital elimina a negatividade do distinto — a densidade da rede se mede pela intensidade do auto-erotismo.

Para além da crítica até aqui relatada, Han apresenta também uma série de anotações de filósofos que se debruçaram sobre o conceito do belo (seu isolamento positivo em Burke, momento em que pode se identificar com o sabor doce, com a ausência de ângulos, com o jogo lúcido que antecede o trabalho em Kant), sua política (com Platão e Aristóteles, a aproximação do belo à justiça impede qualquer submissão ao mero consumo, característica de nossos tempos), sua relação com o sublime (que em Kant é auto-erotizado no exorcismo hedonista do desastre, desastre que é por Baudelaire, Hegel e Adorno resgatado) e com a verdade (e aqui presenciamos uma interessante e convincente defesa da totalidade conciliadora -e de seu Begriff- hegeliana, que ecoa a recuperação desenvolvida por Schelling da substância spinozista contra a o “Absoluto” exterior kantiano; e a afirmação heideggeriana da arte enquanto evento no qual surge a verdade -(d)e um mundo), que, ainda que não representem desenvolvimentos originais (os escritos são na maior parte das vezes simplesmente citados, direta ou indiretamente), configuram o mood da obra enquanto reafirmação quase desesperada de um outro mundo possível.

¹ A exceção que confirma a regra são as longas tomadas de Tarkovsky que, como o próprio diretor já sinalizou, convidam os olhos do espectador ao passeio e à superação da paralisia do momento.

² A nostalgia hauntológica do vaporwave, entretanto, rompe as limitações do belo digital? O comedown do muro de Berlim é ainda mais desconfortavelmente expresso na denúncia da falência do discurso liberal nas composições simpsonwave, mas já em Blank Banshee e Macintosh Plus uma dialética de identificação e desconforto convida a uma superação da auto-identidade, ainda que a atmosfera indique, contrariamente, que o tempo já passou, e ao invés de nos incitar a uma mudança de vida, como esperado por Gadamer, constitui uma tecnologia de subjetivação meramente zynische (no sentido identificado por Sloterdijk). Outro desenvolvimento artístico contemporâneo que guarda um relacionamento ambíguo com o consumismo complacente é a arte excessivista de Kaloust Guedel e de Danh Vo: nas mãos do primeiro superfícies homogêneas e douradas, que poderiam facilmente compor uma obra de Koons, fossem esféricas, escapam dos limites da tela em configurações assimétricas em pura excessividade; já pelo vietnamita o caráter truncado da circulação simbólica e de capital do capitalismo financeiro é encarnado na superfície duma matéria recuperada de commodities.

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